Daniel Monteiro, presidente da Confederação do Desporto de Portugal, exaltou José Manuel Constantino e pediu mais apoios para o desporto na sua intervenção durante a 28.ª Gala do Desporto de Portugal, que decorreu nesta segunda-feira, 26 de maio, no Teatro Maria Matos, em Lisboa.
Eis a intervenção completa:
“A Gala do Desporto de Portugal homenageia ano após ano aqueles que se destacaram no país, na Europa e no mundo ao serviço de Portugal, engrandecendo-nos através do seu talento, esforço, sacrifício e capacidade de trabalho.
Verdadeiros exemplos. Ídolos. Fontes de inspiração. E referências para os mais novos sonharem um dia ser como eles. Atletas que tanto nos dão, que tanto enchem de orgulho os portugueses em cada conquista.
Mas… E durante todo o caminho a percorrer para chegar à conquista? Esquecemo-nos que estes atletas existem? E quando não se saboreia a vitória? Espezinham-se?
O país esquece-se tantas vezes que por detrás de um Atleta está uma Pessoa. Um ser humano. Que, no dia em que triunfa, não se torna invencível, nem no dia em que sai derrotado é perdedor.
Mas esses, os atletas, já subiram ao palco. Por isso, sem nunca esquecer treinadores, equipas técnicas e tantos outros que também são imprescindíveis, permitam-me que agradeça, de forma especial, a todos aqueles que, mesmo sem subirem a palco, são o suporte e o equilíbrio fundamentais para que desistir nunca seja possível para estes seres humanos transcendentes: refiro-me às suas famílias!
O empenho de um atleta de alto rendimento tem um impacto brutal numa família. As horas passadas fora de casa, a necessidade de amparo nos momentos de maior frustração, o foco constante no trabalho diário e na superação. Todo este apoio que o atleta exige, direta e indiretamente à sua família, fazem dos seus familiares mais próximos verdadeiros heróis silenciosos, por detrás dos grandes campeões.
É da mais elementar justiça reconhecermos aqueles que nos bastidores vão dando este apoio diário, libertando o atleta para se concentrar nos seus objetivos. Peço-vos uma salva de palmas para todos os campeões aqui homenageados e para as famílias de todos os atletas que fazem das tripas coração para que nunca lhes falte nada!
Muito, muito obrigado!
Uma segunda palavra nesta cadeia de apoio tem de ser dada aos clubes. Em Portugal, a profissionalização do desporto tem dado passos importantes em várias áreas e modalidades, mas os clubes continuam a ser, na esmagadora maioria dos casos, geridos de forma voluntária, com esforço de dirigentes que procuram dar as melhores condições aos seus atletas e treinadores ao mesmo tempo que têm, também eles, um emprego e uma família.
O empenho, espalhado por todo o país, de dirigentes, pais e encarregados de educação para manter a atividade desportiva regular nos clubes, é a base do funcionamento e sustentabilidade do desporto em Portugal. São eles o motor principal do setor, que o faz manter vivo e apresentar resultados bem acima das justas expectativas criadas pela realidade associativa frágil que o país apresenta.
Muito, muito obrigado a todos os clubes! Dos de base local até aos mais populares!
Este é um ano preponderante para o desporto português. O início de um novo ciclo olímpico marcou também uma renovação do movimento federativo português, com novos protagonistas, novas ideias e uma vontade renovada para ir mais longe. Mas não seria justo falar do sangue novo, sem referir o legado que deixam os que cumpriram os seus mandatos e terminaram os seus ciclos nas federações desportivas. Ao longo dos últimos anos, vários dirigentes deixaram o desporto mais forte, reforçando a dimensão de muitas modalidades e cimentando a competência e a qualidade do desporto nacional.
Não podemos desperdiçar a vontade e o empenho que as federações desportivas estão a depositar no desenvolvimento das suas modalidades, dos seus atletas e dos seus clubes. O desporto tem um potencial social muito superior ao impacto atual, mas precisa de uma valorização efetiva por parte do Estado.
Precisamos que as políticas públicas sejam orientadas para a oferta desportiva, reforçando as condições técnicas, tecnológicas e financeiras das federações, associações e clubes; que permita às famílias confiar na segurança e qualidade oferecidas; mas necessitamos também de um estímulo pelo lado da procura: criando um pacote fiscal de incentivos às famílias, para que o Desporto chegue mesmo a todos e não apenas aos que mais têm.
Planear. Decidir, executar e concretizar. É o que se exige ao Estado. O Desporto está há demasiados anos sem reformas estruturais. E, sem elas, continuaremos a desperdiçar o esforço feito por todo o sistema. Este é o momento para o País agir – porque o tempo que se perde no Desporto é tempo perdido no futuro.
Nesta matéria, as federações desportivas nacionais deram um importante passo em frente. A proposta de revisão do modelo de distribuição do imposto sobre as apostas desportivas, consensualizada na Cimeira de Presidentes, é um sinal de unidade e solidariedade entre todo o movimento federativo para um desenvolvimento coerente de todas as modalidades em Portugal.
Uma coisa é certa: sem desporto não há apostas desportivas. Não é, por isso, aceitável que o setor que gera o mercado continue a ser o que menos beneficia com a distribuição do imposto sobre esse mesmo mercado.
Com o modelo proposto pela Confederação do Desporto de Portugal e pelas federações desportivas o Estado não sai prejudicado. Continua até a ser o beneficiário principal e não perde um único euro face ao que recebe atualmente.
A disponibilidade das federações para se unirem em torno desta proposta é um sinal político muito relevante, que não pode ser desperdiçado e que tem de ser acompanhado pelo Governo. A criação de um Fundo de Desenvolvimento Desportivo, que canalize uma parte do valor arrecadado pelo imposto sobre as apostas desportivas, é fundamental para que as federações possam, finalmente, investir estruturalmente nas respetivas modalidades. Para que possam investir, finalmente, para lá da gestão diária a que hoje estão limitadas.
Não podemos ter um país em que uma federação desportiva é forçada a deixar de levar atletas a campeonatos da europa ou do mundo por falta de condições financeiras. Não podemos ter um país em que uma federação desportiva tem de decidir entre integrar numa comitiva um treinador-adjunto ou um fisioterapeuta. Não podemos ter um país em que uma federação desportiva é obrigada a escolher entre participar numa competição internacional ou investir nos seus clubes. É como pedir a alguém para escolher entre dois filhos. É a realidade de hoje. Não é aceitável e, sobretudo, não é justo.
Reconheço que o atual Primeiro-Ministro tem procurado priorizar o desporto, colocando-o no centro da sua intervenção política. O pacote de desenvolvimento desportivo, anunciado em dezembro do ano passado, é um importante e robusto sinal que é dado ao país de que o Estado quer ir mais longe no apoio ao desporto, mas não resolve o problema de fundo: o subfinanciamento crónico do desporto em Portugal.
O Estado central continua a investir, aos dias de hoje, menos de 10 por cento do custo total do desporto em Portugal, atribuindo a responsabilidade de sustentar a atividade desportiva às autarquias, mas principalmente às famílias portuguesas.
O reforço do financiamento às atividades regulares das federações desportivas é fulcral se queremos ter mais crianças e jovens a experimentar e a aceder ao Desporto, se queremos ter um processo formativo mais seguro e com melhor qualidade, se queremos ter clubes com melhores estruturas de apoio a atletas e se queremos ter equipas técnicas mais robustas e qualificadas dedicadas às nossas seleções nacionais.
Seja por via da criação do Fundo de Desenvolvimento Desportivo, com as receitas das apostas desportivas, seja pela via direta do Orçamento do Estado, é fundamental dar condições de trabalho a quem está no terreno, a quem há tantos anos anseia por uma oportunidade de, com recursos financeiros adequados, implementar um plano para desenvolver a sua modalidade.
Sou um defensor da meritocracia! Em que o Estado, por via do IPDJ, permite à sociedade civil, no caso as federações desportivas, implementar projetos de desenvolvimento para as suas modalidades, devidamente integrados na estratégia desportiva nacional. Com objetivos definidos, métricas de avaliação estabelecidas e recursos adequados à sua concretização.
O modelo de financiamento do Desporto nacional tem de ser revisto. E é ao IPDJ que compete liderar essa transformação. Dotando este Instituto Público de mais recursos será possível implementar um modelo mais ambicioso, voltado mais para o futuro e para o desenvolvimento das modalidades e menos agarrado a fatores históricos de financiamento e à política do “sempre foi assim”.
Só o IPDJ pode garantir, de forma independente, equidistante e transparente o apoio regular às federações, independentemente dos ciclos políticos, garantindo o regular funcionamento das temporadas desportivas.
Serei, sempre, um defensor acérrimo da independência do Estado na atribuição de verbas públicas a entidades associativas!
A identificação dos problemas do desporto nacional e as exigências de maior reconhecimento social e político para o setor, concluem numa ideia e numa pessoa.
A importância da democratização do acesso à prática desportiva, a preocupação com o processo de formação e desenvolvimento do atleta e a exigência de recursos logísticos, humanos e financeiros capazes de transformar o setor e de o colocar, efetivamente, ao serviço do desenvolvimento humano são eixos de um modelo social que teve em José Manuel Constantino um dos precursores e maior defensor até ao último dia.
Alguém que ousou sempre. Que fez da insubmissão forma de estar na vida. Que dedicou a vida a uma causa que passou a ser muito sua. É por isso que quero aproveitar esta ocasião para deixar uma proposta ao Governo e ao IPDJ. Este sinal dado por todas as federações desportivas nacionais para a criação de um Fundo de Desenvolvimento Desportivo é um sinal que representa o legado e a visão de José Manuel Constantino e é por isso que este Fundo não pode ter outro nome que não seja: Fundo José Manuel Constantino, que represente através do seu nome o reforço do investimento no desenvolvimento das modalidades!
A valorização social do desporto é uma luta sempre inacabada, mas aos dias de hoje o Estado pode dar um importante sinal, ouvindo os que diariamente estão no terreno – as federações desportivas -, para melhorar políticas públicas que valorizem mais o Desporto Nacional.
Como dizia José Manuel Constantino, “O desporto é um bem público… que socialmente vale mais do que custa”
Faremos por valorizá-lo. Acredito que ninguém faltará à chamada.
Obrigado a todos.”